27.11.11

Lembranças de um passado que nunca aconteceu. Qual seria o nome do cachorro mesmo?

Meu esposo se desesperava ao ver a bagunça que nosso cachorro, sem nome, fazia. Eu sempre quis um de porte pequeno, levando em consideração o quão eramos ocupados, já que trabalhavamos muito. Em cima da mesa, no quarto que separamos para ser nosso universo, o melhor lugar da casa, onde passávamos a maior parte do tempo que nos restava em casa, estavam nossos trabalhos. Perdi a conta das inúmeras vezes que viramos a madrugada alí, fizemos amor alí, tomamos café alí, um alí tão agradável. Eu, com uma pilha de provas para corrigir, e ele, tentando fazer cálculos de dívidas nossas. Ele nunca foi bom em cálculos mesmo, seu segundo defeito. Nosso cachorro ficava deitado, dormindo, no chão do nosso melhor cômodo. Na parede um mural de sorrisos, fotos de momentos meus, dele e nossos.


Tudo era indício de felicidade. Nas estantes embutidas, livros e mais livros e todos os nossos discos, só para enfeite mesmo, naquele tempo nem se usavam mais CD’s. Nossa vida era a la Caio Fernando Abreu, Martha Medeiros, Gabito Nunes, Drummond, e mais outros escritores que marcam a vida da gente. Tantos números na cabeça. Gostaria de ter mais disposição para as letras.



Eu tinha um marido que nunca existiu. Ele, antes de dormir, beijava-me a testa. Havia muito respeito entre nós. Um dia brigados era um inferno, dia perdido. Mas a reconciliação surpreendia-nos. Tínhamos essa capacidade perdida de amar incondicionalmente. Ele era meu porto, onde eu desembarcava todo o amor, que por sinal, ele merecia, e muito. Seu nome, seu rosto, suas estranhas manias, seu jeito de pisar, falar e gesticular fazia eu amar mais aquele homem. Os finais de semanas eram dedicados ao almoço com nossa família. Era só um pretexto para disfarçar a minha péssima habilidade em cozinhar. Conto nos dedos a quantidade de vezes que cozinhei para ele. No máximo um brigadeiro, ovos no café da manhã e pipoca para nossos filmes em noites chuvosas.

Eu gostaria de ter filhos, ele também. Mas aquele era o momento de aproveitar o casamento, nosso cachorro, nossa casa, nossa cama, nosso trabalho… O quarto que sobrava seria para nossa criança. Eu não sabia nem cozinhar direito. Ah! eu sabia fazer papa e mingau. Menos mau, né?

Enquanto isso, reuniamos nossos amigos na área da casa. Era bom ver a casa cheia de gente. Sabe aqueles amigos de longas datas? Irmãos que iam nos visitar, falar da vida, de música, de amores e de trabalho. Adoravamos Heineken. Meu marido, sempre, sempre, tirando de mim toda a capacidade de amar alguém. E só precisava existir.

Nas minhas lembranças ele vai existir. Mesmo que nunca tenha existido. E ele entrará pela porta, trazendo aquele velho chocolate, e o meu mundo vai se encher de alegria, porque ele traz consigo toda a alegria de viver. E eu o amo, muito.

J.N.

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